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quarta-feira, 26 de março de 2014

A Imprensa que cobre a favela

Artigo
Priscila Ludolf

Com o auxílio das redes sociais, a voz silenciada das favelas vem, aos poucos, se fazendo ouvir. Casos como o do ajudante de pedreiro Amarildo, morto por policiais da Unidade de Polícia Pacificadora da Rocinha, e cujo corpo nunca foi encontrado, só recebeu atenção e teve os responsáveis julgados devido ao apelo forçado da grande mídia. Contudo, o papel do jornalismo continua restrito a determinados segmentos da sociedade.

Após, sobretudo, o início das manifestações de junho de 2013, em que milhões de pessoas foram às ruas e diversas insatisfações foram expostas, muitos cidadãos passaram a mobilizar-se em busca de soluções para os problemas existentes, utilizando a internet como principal ferramenta de denúncia e compartilhamento de ideias e informações, bem como meio primordial para a divulgação de fatos propositalmente "abafados" pela imprensa.

Mas, mesmo reconhecendo alguns avanços, reparem que, ainda hoje,  sempre que ocorre conflito em uma favela - e sempre ocorre - os jornais mostram os transtornos vividos pelos moradores das "proximidades" do local. O que não é pouco e merece atenção. Mas (reflitam) se a situação é desesperadora para quem mora próximo à favela, imagina para quem mora dentro dela!

Todos os anos, dezenas de inocentes são assassinados em decorrência de operações policiais indiscriminadas, inclusive alguns dos militares. Porém, a maior parte dos casos não é veiculada, e, se não é veiculada, a sociedade não toma conhecimento. É apenas mais um José ou uma outra Maria. A própria implantação de Unidades Pacificadoras vem levantando questões a respeito de sua eficácia duvidosa. Afinal, como estabelecer a paz por meio de uma relação mediada por armas e na qual o pobre favelado é visto como parte do problema?

O jogo de interesses entre as empresas de comunicação, o corporativismo que as mantêm e o aparelho burocrático do Estado, se reflete nas coberturas tendenciosas que acompanhamos diariamente nos jornais. É função da imprensa retratar o conflito, mas não é justo suprimir a abordagem das consequências que atingem seres humanos reféns da violência que adentra suas residências. É fundamental mostrar e promover reflexões sobre as raízes do problema: o descaso do Estado que, além de permitir o caos, furta cotidianamente a dignidade de milhares de "cidadãos" mantidos à margem da sociedade.

É por isso que, apesar de tudo, pode ser que esse assunto não cause comoção, o que não significa, necessariamente, insensibilidade. Poderíamos arriscar, no mínimo, dois motivos: primeiro, os jornais, nossa principal fonte de "informação", refletem e preservam bem o papel exercido pelo Estado, o de manter a favela longe dos "cidadãos de bem". Segundo, nós, do asfalto, não nos identificamos com o "morro". "Favelado (a)" já não é um adjetivo que designa o morador da "favela", é xingamento. E nós somos muito civilizados.

Se a vida do pobre vale pouco, a do pobre favelado vale menos ainda.

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